sexta-feira, 15 de dezembro de 2006

Burro com atitude vai longe...

"Cuidado com os burros motivados"
Em "Heróis de Verdade", o escritor combate a supervalorizaçãoda Aparência
e diz que falta ao Brasil competência, e não auto-estima.

ISTOÉ - Quem são os heróis de verdade?
Roberto Shinyashiki -
Nossa sociedade ensina que, para ser uma pessoa de
sucesso, você precisa ser diretor de uma multinacional, ter carro
importado, viajar de primeira classe. O mundo define que poucas pessoas
deram certo. Isso é uma loucura. Para cada diretor de empresa, há milhares
de funcionários que não chegaram a ser gerentes. E essas pessoas são
tratadas como uma multidão de fracassados. Quando olha para a própria
vida, a maioria se convence de que não valeu a pena porque não conseguiu
ter o carro nem a casa maravilhosa. Para mim, é importante que o filho da
moça que trabalha na minha casa possa se orgulhar da mãe. O mundo precisa
de pessoas mais simples e transparentes. Heróis de verdade são aqueles que
trabalham para realizar seus projetos de vida, e não para impressionar os
outros. São pessoas que sabem pedir desculpas e admitir que erraram.

ISTOÉ - O sr. citaria exemplos?
Shinyashiki -
Quando eu nasci, minha mãe era empregada doméstica e meu
pai, órfão aos sete anos,empregado em uma farmácia. Morávamos em um bairro
miserável em São Vicente (SP) chamado Vila Margarida. Eles são meus
heróis. Conseguiram criar seus quatro filhos, que hoje estão bem. O
resultado é um mundo vítima da depressão, doença que acomete hoje 10% da
população americana. Em países como Japão, Suécia e Noruega,há mais
suicídio do que homicídio. Por que tanta gente se mata? Parte da culpa
está na depressão das aparências, que acomete a mulher que, embora não ame
mais o marido, mantém o casamento, ou o homem que passa décadas em um
emprego que não o faz se sentir realizado, mas o faz se sentir seguro.

ISTOÉ - Qual o resultado disso?
Shinyashiki -
Paranóia e depressão cada vez mais precoces. O pai quer
preparar o filho para o futuro e mete o menino em aulas de inglês,
informática e mandarim. Aos nove ou dez anos a depressão aparece. A única
coisa que prepara uma criança para o futuro é ela poder ser criança. Com a
desculpa de prepará-los para o futuro, os malucos dos pais estão roubando
a infância dos filhos. Essas crianças serão adultos inseguros e terão
discursos hipócritas. Aliás, a hipocrisia já predomina no mundo
corporativo.

ISTOÉ - Por quê?
Shinyashiki -
O mundo corporativo virou um mundo de faz-de-conta, a
começar pelo processo de recrutamento. É contratado o sujeito com mais
marketing pessoal. As corporações valorizam mais a auto-estima do que a
competência. Sou presidente da Editora Gente e entrevistei uma moça que
respondia todas as minhas perguntas com uma ou duas palavras. Disse que
ela não parecia demonstrar interesse. Ela me respondeu estar muito
interessada, mas, como falava pouco, pediu que eu pesasse o desempenho
dela, e não a conversa. Até porque ela era candidata a um emprego na
contabilidade, e não de relações públicas. Contratei-a na hora. Num
processo clássico de seleção, ela não passaria da primeira etapa.

ISTOÉ - Há um script estabelecido?
Shinyashiki -
Sim. Quer ver uma pergunta estúpida feita por um Presidente
de multinacional no programa O aprendiz? "Qual é seu defeito?" Todos
respondem que o defeito é não pensar na vida pessoal: "Eu mergulho de
cabeça na empresa. Preciso aprendera relaxar". É exatamente o que o Chefe
quer escutar. Por que você acha que nunca alguém respondeu ser
desorganizado ou esquecido? É contratado quem é bom em conversar, em
fingir. Da mesma forma, na maioria das vezes,são promovidos aqueles que
fazem o jogo do poder. O vice-presidente de uma das maiores empresas do
planeta me disse: "Sabe, Roberto, ninguém chega à vice-presidência sem
mentir". Isso significa que quem fala a verdade não chega a diretor?

ISTOÉ - Temos um modelo de gestão que premia pessoas mal preparadas?
Shinyashiki -
Ele cria pessoas arrogantes, que não têm a humildade de se
preparar, que não têm capacidade de ler um livro até o fim e não se
preocupam com o conhecimento. Muitas equipes precisam de motivação, mas o
maior problema no Brasil é competência. Cuidado com os burros motivados.
Há muita gente motivada fazendo besteira. Não adianta você assumir uma
função para a qual não está preparado. Fui cirurgião e me orgulho de nunca
um paciente ter morrido na minha mão. Mas tenho a humildade de reconhecer
que isso nunca aconteceu graças a meus chefes, que foram sábios em não me
dar um caso para o qual eu não estava preparado. Hoje, o garoto sai da
faculdade achando que sabe fazer uma neurocirurgia. O Brasil se tornou
incompetente e não acordou para isso.

ISTOÉ - Está sobrando auto-estima?
Shinyashiki -
Falta às pessoas a verdadeira auto-estima. Se eu preciso que
os outros digam que sou o melhor, minha auto-estima está baixa. Antes, o
ter conseguia substituir o ser. O cara mal-educado dava uma gorjeta alta
para conquistar o respeito do garçom. Hoje, como as pessoas não conseguem
nem ser nem ter, o objetivo de vida se tornou parecer. As pessoas parecem
que sabem, parece que fazem, parece que acreditam. E poucos são humildes
para confessar que não sabem. Há muitas mulheres solitárias no Brasil que
preferem dizer que é melhor assim. Embora a auto-estima esteja baixa,
fazem pose de que está tudo bem.

ISTOÉ - Por que nos deixamos levar por essa necessidade de sermos
perfeitos em tudo e de valorizar a aparência?

Shinyashiki - Isso vem do vazio que sentimos. A gente continua valorizando
os heróis. Quem vai salvar o Brasil? O Lula. Quem vai salvar o time? O
técnico. Quem vai salvar meu casamento? O terapeuta. O problema é que eles
não vão salvar nada! Tive um professor de filosofia que dizia: "Quando
você quiser entender a essência do ser humano, imagine a rainha Elizabeth
com uma crise de diarréia durante um jantar no Palácio de Buckingham".
Pode parecer incrível, mas a rainha Elizabeth também tem diarréia. Ela
certamente já teve dor de dente, já chorou de tristeza, já fez coisas que
não deram certo. A gente tem de parar de procurar super-heróis. Porque se
o super-herói não segura a onda, todo mundo o considera um fracassado.

ISTOÉ - O conceito muda quando a expectativa não se comprova?Shinyashiki - Exatamente. A gente não é super-herói nem super fracassado.
A gente acerta, erra, tem dias de alegria e dias de tristeza. Não há nada
de errado nisso. A crise será positiva se elas entenderem que a
responsabilidade pela própria vida é delas.

ISTOÉ - Muitas pessoas acham que é fácil para o Roberto Shinyashiki dizer
essas coisas, já que ele é bem-sucedido. O senhor tem defeitos?

Shinyashiki - Tenho minhas angústias e inseguranças. Mas aceitá-las faz
minha vida fluir facilmente. Há várias coisas que eu queria e não
consegui. Jogar na Seleção Brasileira, tocar nos Beatles (risos). Meu
filho mais velho nasceu com uma doença cerebral e hoje tem 25 anos. Com
uma criança especial, eu aprendi que ou eu a amo do jeito que ela é ou vou
massacrá-la o resto da vida para ser o filho que eu gostaria que fosse.
Quando olho para trás, vejo que 60% das coisas que fiz deram certo. O
resto foram apostas e erros. Dia desses apostei na edição de um livro que
não deu certo. Um amigão me perguntou: "Quem decidiu publicar esse livro?"
Eu respondi que tinha sido eu. O erro foi meu. Não preciso mentir.

ISTOÉ - Como as pessoas podem se livrar dessa tirania da aparência?
Shinyashiki - O primeiro passo é pensar nas coisas que fazem as pessoas
cederem a essa tirania e tentar evitá-las. São três fraquezas. A primeira
é precisar de aplauso, a segunda é precisar se sentir amada e a terceira é
buscar segurança. Os Beatles foram recusados por gravadoras e nem por isso
desistiram. Hoje, o erro das escolas de música é definir o estilo do
aluno. Elas ensinam a tocar como o Steve Vai, o B. B. King ou o Keith
Richards. Os MBAs têm o mesmo problema: ensinam os alunos a serem covers
do BillGates. O que as escolas deveriam fazer é ajudar o aluno a
desenvolver suas próprias potencialidades.

ISTOÉ - Muitas pessoas têm buscado sonhos que não são seus?
Shinyashiki - A sociedade quer definir o que é certo. São quatro Loucuras
da sociedade. A primeira é instituir que todos têm de ter sucesso, como se
ele não tivesse significados individuais. A segunda loucura é: Você tem de
estar feliz todos os dias. A terceira é: Você tem que comprar tudo o que
puder. O resultado é esse consumismo absurdo. Por fim, a quarta loucura:
Você tem de fazer as coisas do jeito certo. Jeito certo não existe. Não há
um caminho único para se fazer as coisas. As metas são interessantes para
o sucesso, mas não para a felicidade. Felicidade não é uma meta, mas um
estado de espírito. Tem gente que diz que não será feliz enquanto não
casar, enquanto outros se dizem infelizes justamente por causa do
casamento. Você pode ser feliz tomando sorvete, ficando em casa com a
família ou com amigos verdadeiros, levando os filhos para brincar ou indo
a praia ou ao cinema. Quando era recém-formado em São Paulo, trabalhei em
um hospital de pacientes terminais. Todos os dias morriam nove ou dez
pacientes. Eu sempre procurei conversar com eles na hora da morte. A maior
parte pega o médico pela camisa e diz: "Doutor, não me deixe morrer. Eu me
sacrifiquei a vida inteira, agora eu quero aproveitá-la e ser feliz". Eu
sentia uma dor enorme por não poder fazer nada. Ali eu aprendi que a
felicidade é feita de coisas pequenas. Ninguém na hora da morte diz se
arrepender por não ter aplicado o dinheiro em imóveis ou ações, mas sim de ter esperado muito tempo ou perdido várias oportunidades para aproveitar a
vida.

Um comentário:

  1. Lili Maedahttp://fotolog.com/lilimaeda15 de dezembro de 2006 às 09:39

    Cara. Q entrevista interessante.

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