Este vídeo e a matéria do NYTimes despertaram minha ira.
É incrível o descaso do restante do país, da mídia e, principalmente, dos poderosos de Nova York com a cidade vizinha, Newark, que sofre com problemas tão sérios quanto os que assolam países em desenvolvimento como o Brasil - por exemplo.
Newark é um local tão complexo e impossível de ser explicado em um texto (quanto mais um texto de um blog...), que o que eu tento fazer aqui é simplesmente mágica. Uma das maiores cidades do país e a segunda maior da área metropolitana de Nova York, Newark é dividida em cinco bairros segregacionistas (norte, sul, leste, oeste e central). As mais de 52 etnias presentes na cidade estão claramente divididas, cada uma formando alianças e se limitando ao trânsito em seu próprio bairro.
Você não vai ver brasileiros, espanhóis ou portugueses andando pelo bairro central ou oeste, por exemplo. É simplesmente impossível. Da mesma forma com a qual os porto-riquenhos e os dominicanos não irão aparecer no norte, ou os negros - provenientes de dezenas de países africanos - não transitam no leste da cidade. Cada um tem a sua área, e cada um é dono do seu pedaço. E o mais engraçado é o país lutando em uma guerra trilhionária para manter a liberdade dos norte-americanos. Pelo menos aqui, esta liberdade não existe.
A segurança pública é inexistente. Todo morador tem uma história para contar sobre um assalto que sofreu em Newark. Eu, que não moro e nunca morei na cidade mas, apesar disso, trato como se fosse minha casa (o amor que eu criei por este lugar é inexplicável), já fui assaltada. Ao longo do último ano, cobrindo os acontecimentos locais para o Extra USA, vivenciei a alteração do quadro político municipal que premaneceu intocável por 20 anos.
Isso mesmo, 20 anos. Nos EUA um prefeito pode ser re-eleito por seis termos consecutivos. Sharpe James, o ex, pintou e bordou - como diz minha mãezinha - por cinco deles. Quando os jornais locais começaram a investigar a porção de atos corruptos que ele cometeu, o também Senador Estadual por 16 anos resolveu cair fora e passar o trono para Cory Booker.
Imagine: é uma cidade enorme, com uma população de 300 mil pessoas, a maioria delas sem concluir o Ensino Superior e com necessidade de implantação de planos de emprego, programas culturais e de moradia. É um povo que assistiu a cidade se desmoronar por 20 anos, se transformar no centro das gangs, tráfico de drogas, e campo de tiros. Em 2006, 106 pessoas morreram como resultado da violência desenfreada.
A mudança foi, óbvio, mais do que bem vinda. Seja lá o que for que exista por trás de Booker, sua visão é mais do que necessária para Newark. O histórico do prefeito dá um livro: ele é filho de uma família de negros que conseguiram prosperar como empresários após o fim da escravidão. Fez dois ou três cursos na faculdade, um mestrado e um intercâmbio. Seu currículo inclui escolas como Yale, Oxford e Stamford. Ele concluiu 18 anos de Ensino Superior voltado para Direito. O mesmo tempo que um especialista em cirurgia plástica leva para passar por toda a Escola de Medicina e cursos de especialização.
Quando Booker terminou a via sacra dos estudos, foi mandado diretamente para Newark como o salvador da pátria. Cumpriu um termo como vereador, tentou se eleger como prefeito em 2002, o que resultou apenas em um briga feia com Sharpe James e no documentário Street Fight, que chegou a concorrer ao Oscar.
Em 2006 ele voltou com tudo - e todos! A média de investimento em uma campanha para a prefeitura de uma cidade média nos EUA é de US$300 mil. Ele investiu US$6 milhões. Por trás dele há artistas e empresas de tudo quanto é tipo, Oprah Winnfrey, Ben Afflec, WallMart, nomes que, com sentido ou não, injetaram milhões na campanha do cara.
Eu passei boa parte do ano passado estudando ele. No final das contas ele acabou dando uma entrevista exclusiva para o jornal. E o mais bacana é que, nenhum jornal brasileiro cobre estas coisas, mesmo tendo mais brasileiros vivendo aqui do que em muito estado do Brasil. Ninguém se importa muito com o que rola em Newark. A cidade é praticamente abandonada pelo resto do mundo. É aquela coisa do elefante rosa, ele tá alí, todo mundo ignora, e vive como se tudo fosse lindo.
Lindo mesmo é o próprio Booker. O cara é alto, inteligentíssimo, com olhos verdes maravilhosos e vende uma força de vontade que até dá para acreditar. Eu sou muito cínica, e tenho dificuldade em crer que este povo da nova administração realmente tenha o coração bom e queira apenas a felicidade do povo. Mas, seja lá qual for a verdadeira intenção, a mudança tem feito bem para a saúde destas complexa comunidade.
Depois que assumiu a prefeitura em uma cerimônia emocionante em 1º de Julho, Booker começou a desenvolver planos comunitários, como se Newark fosse um apenas um bairro que precisasse de ajuda. Um dos planos, o que está na matéria do New York Times, é simples e consiste na criação de uma série de encontros com os moradores de cada bairro. A cada mês, em uma escola diferente, Booker recebe qualquer pessoa por cerca de cinco minutos, para discussão de problemas de uma área, implantação de projetos, e até pedidos de emprego.
Nos últimos nove meses, dezenas de outros projetos de inclusão sócio-cultural foram implantados. A idéia é pegar toda a molecadinha que não tem o que fazer da vida e fica na rua, se agrupando em gangs, vandalizando a cidade, e oferecer a chance de participar grupo de estudo, arte, esportes e até profissionalizante.
Semanalmente eu recebo uma lista dos programas que estão para acontecer. O cara não poupa os esforços dele e os contatos para tirar benefícios para os moradores carentes. Um exemplo interessante é o da criação do estádio para o NJ Devils. O grupo de hóckei no gelo consegiu um acordo dos sonhos com Sharpe James. O prefeito iria doar a área para a construção da arena e financiar mais de 80% do custo. Quando Booker assumiu a prefeitura ele quebrou o acordo e estabeleceu novos termos. Hoje, os Devils ganharam o terreno, mas a um custo muito maior, serão obrigados a financiar todo o projeto sozinhos, e investir o valor do terreno em programas de cunho social.
Em todos os jogos, uma porcentagem dos ingressos deverá ser entregue ao público sem nenhum custo. Projetos esportivos gratuitos e planos de criação de emprego para os moradores da cidade também constituem as novas regras.
Tá sacando a mudança de visão?
A pauta sobre a série de encontro com a população é tão velha que eu mal acreditei no NYTimes na semana passada. A gente seguiu todos os encontros do ano passado, falando com os vereadores e com o prefeito todas as vezes. Ficou claro que aquilo era simplesmente gaveta para tapar buraco.
E o pior, a reportagem é sensacionalista e não aponta nada do que realmente está acontecendo alí. O cara está reestabelecendo uma comunicação entre os moradores desacreditados de um grande favela e sua representação política. É apenas isso que aqueles encontros são. Eles não são para resolver os problemas do universo. O propósito é mostrar para população que eciste a opção de contato com o prefeito, que ele não é inalcançável e que ele quer saber sim que tipos de desafios a dona de casa da esquina enfrenta diariamente.
Sinceramente, a chamada "Acesso ao prefeito não resolve todos os problemas", é tão infantil quanto dizer, "A Terra é redonda". Sabe, merece um "derrrrr", bem longo! Não sei quam ainda espera solução fácil, salvador da pátria, do rock e do caralho a quatro. O mundo é tão complexo e as pessoas tentam simplificar o que elas simplesmente não entendem. E só um jornal sem um editor para New Jersey poderia deixar algo assim ser publicado.
E eu não tô falando de um jornal comunitário que sofre com falta de investimento para contratar funcionários suficientes. Tô falando do segundo maior jornal do país.
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