quarta-feira, 29 de novembro de 2006

Tim Robbins




Vanessa Mael
Da Redação
Entrevista Tim Robbins


Em busca do perdão

“Catch a Fire”, o mais novo filme do diretor Philip Noyce (“The Quiet American”, “Rabbit Proof-Fence”), conta a história real de Patrick Chamuso, um cidadão comum tranformado em herói durante sua jornada pela liberdade, na África do Sul da década de 80.

Para interpretar o policial Nic Vos foi escalado o ator Tim Robbins, reconhecido internacionalmente por atuações em grandes filmes como “Um Sonho de Liberdade” (Shawshank Redemption), pelo qual ganhou o Oscar, e “Sobre Meninos e Lobos” (Mystic River).

Não é comum ver Tim Robbins interpretando vilões. Geralmente, o ator se envolve com trabalhos humanitários e é visto como bom moço. Patrick Chamuso, interpretado por Derek Luke, é injustamente acusado de terrorismo durante o regime do apartheid. As investigações são lideradas por Nic Vos, coronel do setor Police Security Branch, responsável por combater o terrorismo no país.

Vos apreende, interroga e utiliza diversas práticas de tortura contra o herói, por suspeitar de seu envolvimento com atentados contra a refinaria de óleo de Secunda, cidade onde trabalha. Após sua liberação, Chamuso decide lutar contra o injusto regime segregacionista, se afilia ao partido de resistência, o ANC, e se torna guerrilheiro lutando pela liberdade racial em seu país.

“Vos realmente acreditava no que estava fazendo e tentava cumprir sua tarefa, proteger seu país e sua família da melhor forma possível,” afirmou Robbins em entrevista ao Extra USA, durante a divulgação do filme.

Robbins conta como se preparou para interpretar um torturador que foi treinado para acreditar que manter o apartheid era sinônimo de manter a segurança local e teve como sua maior missão defender seu país de ataques terroristas e da influência comunista, a qualquer custo. Ele também comenta a importância política e social da divulgação da história real de Patrick Chamuso e da história da África do Sul que, segundo Robbins, é uma história de perdão.

Você já fez cerca de 60 filmes durante toda a sua carreira. Que lugar “Catch a Fire” ocupa na sua lista de preferências?

Eu acredito que esta é uma história muito importante. Eu amo filmes de ação, aventura ou suspense. Gosto de uma boa perseguição, como qualquer outra pessoa. Mas, sempre me senti frustrado com os finais destes filmes. A idéia de vingança é apenas entretenimento, no qual você chega à cena final com o policial matando o bandido, com alguma frase muito engraçada. As pessoas se divertem e aplaudem. Este é o padrão de um filme de ação. E eu acho que eu nunca ouvi ninguém se referir a estes finais como políticos, como aprovação de valores políticos ou sociais. E é o que eles são. Agregar a idéia de vingança é simplesmente ter um valor social ou político, devolver àquele que te machucou a mesma dor que ele te causou. O que nós estamos fazendo neste filme é a divulgação de idéias humanistas, ao contrário dos valores políticos. É passar adiante que perdoar é possível, perdoar está acima daquele instinto humano de vingança e ajuda a encontrar o caminho que leva ao profundo conhecimento espiritual. Esta afirmação é importante e deve ser divulgada. É por isso que me envolvi neste projeto.

Você acredita nestas idéias humanistas ou está apenas discutindo o conceito de valores sociais e humanistas?
Eu acredito. Eu espero alcançar isto algum dia.

Você já passou por alguma experiência na qual teve que exercer o perdão?

Eu pensei muito sobre isso quando estava dirigindo o filme “Dead Man Walking”, um momento no qual eu me perguntei constantemente, “o que eu faria se estivesse vivendo esta realidade?”. Eu realmente espero alcançar o poder do perdão.

Muitos dos trabalhos com os quais você se envolve discutem questões sociais, políticas, humanas. De onde você tira esta ânsia por discutir assuntos sérios?

Eu cresci no Greenwich Village, em New York, durante a década de 60. Meu pai era um cantor popular, ligado à música de raiz. Eu estava rodeado pelos maiores ícones criativos do país e do mundo, pessoas que pensam um milhão de anos à frente de suas gerações. Assim, eu fui exposto à pessoas jovens que acreditavam em um país diferente, em um paradigma diferente e isso tudo foi muito real para mim. É claro que, depois eu fui para a faculdade e a única coisa com a qual eu me preocupava era em beber e fazer sexo. (Risos). Até que [o Presidente Ronald] Reagan foi eleito e eu fui obrigado a voltar à luta.

O que te chamou atenção no personagem Nic Vos?

Na verdade, o que mais me chamou a atenção foi o projeto como um todo. Foi contar aquela história específica e a importância daquela história. A relevância do final do apartheid é gigantesca. Nos Estados Unidos de 2006, ela se torna maior ainda. Se você parar um jovem na rua e perguntar para ele qualquer coisa sobre a história da década de 80 da África do Sul ele não saberá responder. Eu garanto que ele não saberá te dizer. Então, nós temos que contar esta história. Além disso, você pode não saber absolutamente nada sobre apartheid ou sobre a África do Sul, que o roteiro se encarregará disso. Não é necessário ser um historiador, ou sequer saber qualquer coisa sobre o regime segregacionista para assistir a este filme. O filme é, essencialmente, a história da jornada de um homem ao inferno e seu retorno. No geral, ele te apresenta a natureza deste homem e dos líderes daquele movimento, além do contexto daquele político da época; a mistura destes componentes; e um novo paradigma. Em nenhum momento da história mundial já aconteceu algo parecido com o que aconteceu na África do Sul. Lá, o governo estabeleceu um regime de segregação racial, manteve prisioneiros políticos que passaram por todos os tipos de práticas de tortura até que a guerra chegou ao fim, o governo perdôou a todos e ofereceu anistia política. Nelson Mandela foi libertado e eleito presidente. É uma história de perdão. Isso simplesmente não acontece todos os dias, temos que relembrar o mundo deste episódio.

Você declarou recentemente que tinha preconceitos em relação à história da África do Sul. Qual era seu conhecimento sobre o apartheid antes de se envolver com este projeto e como você enxerga a questão social do país hoje?

Durante os anos 80, nos Estados Unidos, muitos de nós viemos a tomar conhecimento do apartheid através da música. Existe uma música da banda The Specials, chamada “Free Nelson Mandela”, que fez muito sucesso aqui. Este é um dos maiores poderes da música, através de um refrão pegajoso, você é capaz de introduzir um conceito e as pessoas podem investigar aquela idéia mais tarde. Não conseguimos contar tudo em uma música de três minutos mas é possível fazer a população pensar sobre questões levantadas. Eu era contra o apartheid, procurei entender o que significava, boicotei empresas que fabricavam certos produtos e patrocinavam o regime segregacionista da África do Sul. Eu participei de manifestações populares que pediam a libertação de Nelson Mandela. Mas não tinha nenhuma idéia sobre a complexidade da situação, do grau de opressão da população negra por parte do governo até visitar o país e estudar profundamente o que aconteceu por lá. Só assim eu pude entender a quantidade de leis que foram criadas contra a existência física destas pessoas, como eles foram humilhadas e oprimidas no decorrer dos anos...

Como foi ter que interpretar um Afrikaner, oficial branco do governo sul-africano, geralmente de descendência européia e que lutava para manter o regime de apartheid?

Por causa do meu trabalho, tive que manter minha mente aberta para entender a história dos Afrikaners. Eu não tinha nenhum conhecimento sobre o contexto que estas pessoas estavam imersas. Os Afrikaners eram pessoas que haviam fugido de perseguições religiosas em países da Europa e se mudaram para Cidade do Cabo. Lá, foram expulsos mais uma vez pelos britânicos, sobreviveram ao seu próprio êxodo em massa, fugindo em grandes caminhões para o centro da África do Sul, fundando a cidade de Joanesburgo. Eu fui obrigado a entender quais foram as dificuldades que eles passaram, como lutaram contra o partido African National Congresse (ANC). Os Afrikaners sofriam a pressão de ataques vindos pelo norte, havia o medo da aliança comunista, implícito na simpatia do Partido Comunista russo pelo ANC. Estes oficiais do governo tinham um trabalho a desempenhar, deveriam proteger suas famílias e o país. Não justifica o que eles fizeram mas, tive que entender a história de vida deles para assimilar como era possível que estas pessoas se comprometessem moralmentem, ao ponto de praticar atos de tortura e opressão em relação aos suspeitos de terrorismo na África do Sul.

Você passou um tempo trabalhando com Arno Carstens, um grande cantor Afrikaner. Como ele te ajudou a entender o que significa ser um homem Afrikaner na África do Sul?

Eu passei muito tempo com Arno, mas minha relação com ele está estritamente ligada à música. Minha relação com os oficiais reais do Special Branch da África do Sul foram as que mais me inspiraram para compor o personagem. Em uma das noites que eu passei com Arno, subi no palco de um clube de Joanesburgo e nós cantamos juntos, tocamos guitarra. Ele me ajudou bastante com as músicas do filme, a entender as músicas da revolução. Ele me ensinou “Paradise Road”, que é uma das músicas de liberdade, da década de 70, do grupo Joy.

Qual o papel da música no filme?

As músicas do ANC, as músicas de liberdade são uma forma de união e quando música consegue executar esta função, é uma maravilha. Nós trabalhamos muito com o músico David Mbatha no desenvolvimento da trilha do filme. Passamos algum tempo juntos, tocando violão. Eu tentei acompanhá-lo enquanto ele cantava algumas das canções do ANC. Nós trocávamos informação. Foi uma noite muito agradável. Você pode conversar com uma pessoa o quanto for mas se você tem a oportunidade de sentar e tocar músicas com esta pessoa, você estabelece uma ligação muito mais profunda. É uma comunicação baseada na ligação das almas, é espiritual. Eu me senti muito privilegiado nestes momentos.

Você citou o poder da música. Mas, você acredita no poder dos filmes? Como isso influencia sua decisão na escolha dos filmes que você faz?

Sim. Eu acredito que os filmes podem fazer deste mundo um lugar melhor ou pior, dependendo do seu ponto de vista. Depende do tipo de filme que está sendo criado, os filmes de ação advogam apenas a violência e são a maioria. Diferentes tipos de filmes podem provocar diferentes reações nas pessoas. Trabalhos como “Catch a Fire” oferecem um caminho diferente. As comédias te oferecem duas horas de entretenimento e uma oportunidade de fuga do mundo real, enquanto um romance pode reacender a paixão em seu coração. Cada gênero mantém sua legitimidade.

Você criou uma lista de tipos de filmes que você quer fazer ou gosta de fazer?

Na verdade não existe isto, eu só estabeleço aquele tipo de filme que eu não faria. Eu não faria nada violento com a finalidade de entreter. Eu nunca farei um filme que inclua piadas contra as pessoas, contra determinadas raças ou religiões.

Em julho, você participou de um evento de caridade no teatro Radio City Music Hall, em New York, durante a apresentação de uma leitura do escritor Stephen King. Você, que foi marcado pela participação no filme Shawshank Redemption, de autoria de King, fez diversas piadas e trocadilhos com o nome da obra. Conversando com Derek Luke e Bonnie Henna, ambos repetiram a mesma coisa, “Trabalhar com Tim Robbins foi extremamente divertido.” Conte-nos um pouco mais sobre este seu lado comediante, que vemos tão pouco...

Bom, mas isso é porque quando eu sento aqui, tudo o que você faz é me perguntar sobre política! (Risos!) Se divertir, dar risada e brincar é muito importante. É importante também desvincular a associação de comédia e falta de inteligência. As pessoas mais interessantes, inteligentes e engajadas que eu conheço são comediantes. A vida é muito curta para ser vivida em um estado de ansiedade e miséria. Tem muita coisa errada no mundo, mas tem muita coisa correta também. Temos muito que celebrar. No caso do filme, quando estamos lidando com temas pesados, quando tenho que interpretar um personagen que é extremamente cruel, os momentos de humor e descontração são muito importantes.

Você acredita que o filme tem ligações com a atual situação política mundial?

Não. Os atos terroristas que acontecem no filme não têm nenhuma ligação com os atos terroristas que acontecem no mundo de hoje. Os personagens de “Catch a Fire” estão se rebelando contra um governo que os exclui, estão lutando pelo direito de estudar, de ter um trabalho, de participar socialmente.

Suas ações de ativismo político despertam a atenção constante da mídia. Você considera estes atos como uma demonstração de coragem?

Quando você se depara com um regime que prega a guerra e a exploração de outra cultura com a desculpa da construção de um mundo livre, você tem que fazer alguma coisa. É claro que você acaba escutando muita coisa, que é traidor, seguidor de Saddam Hussein... Mas, você sabe a verdade e ao andar pelas ruas da cidade de New York e as pessoas vão ao seu encontro para te parabenizar pelo trabalho de conscientização que você está fazendo e pedir para que você não deixe a mídia te intimidar. Isso é muito positivo e você acumula forças para seguir seu caminho. Isso é o que te liberta. O que vai te escravizar é quando você mente para você mesmo, quando se priva da verdade, ou permite que a mentira ou o mentiroso pregue o que não é real, sem debater, sem argumentar, expressar o que pensa a respeito do assunto. Quando você não fala verdade para quem está no poder, será escravizado por quem está no poder. Não sei se isso é coragem ou meu direito de livre expressão garantido neste país, ninguém pode me tirar isto.

Quando você dirigiu a peça “Embedded”, de crítica à cobertura da mídia norte-americana na guerra do Iraque, a reação recebida por parte do público era esperada?

Tudo o que aconteceu em 2003, como resposta à peça “Embedded”, foi completamente esperado. Quando nós fizemos a primeira apresentação em Los Angeles, já era julho, um momento crítico, foi a um mês e meio após Bush aterrissar no porta-aviões e declarar “missão cumprida” à mídia. Não sabíamos qual seria a reação do público, estávamos um pouco assustados. O assunto era muito fresco e no fim da primeira performance, havia uma pessoa chorando na audiência, era uma mulher. Por alguma razão, esta mulher, uma veterana de guerra, conseguiu entrar no teatro nesta noite específca, quando o show era apenas para convidados especiais. Ela tinha acabado de se aposentar e antes disso tinha treinado centenas de jovens que seriam enviados ao Iraque. Ela estava chorando, emocionada, foi um momento legítimo de vitória. Tínhamos um soldado na audiência pedindo para continuarmos lutando. Aquele momento significou mais do que qualquer outra coisa. Foi a primeira apresentação, aquela mulher nos encheu de força para continuar com o projeto.

Qual foi a reação da mídia, já que a peça critica fervorosamente a cobertura da guerra do Iraque?

Em Los Angeles nós recebemos apenas uma crítica positiva. Todos os outros jornais destruíram a peça. O resultado? O show de quatro meses com os tickets esgotados em apenas três dias, baseado apenas no boca-a-boca. Em New York, tivemos a notícia boa e a ruim. A boa notícia é: fomos convidados pelo Public Theater para nos apresentar na cidade. A notícia ruim é: não receberíamos nenhuma crítica positiva dos jornais locais por três motivos. Em primeiro lugar, a elite da informação de New York irá destruir a peça, você não pode ir ao quintal da mídia e dizer, “Vocês são cheios de merda”, e esperar que a mídia te abrace em retorno. Simplesmente não vai acontecer. Número dois, um grupo de teatro de Los Angeles não deve esperar uma recepção calorosa da comunidade teatral ou artística de nova-iorquina. Número três, nós estamos fazendo teatro punk-rock, estamos tocando System of a Down, The Clash, Boy Sets Fire, alto, no último volume. Isto simplesmente não é o material com o qual os críticos de teatro simpatizam. Assim, em três strikes, estamos fora.

A melhor parte é que tudo deu certo, como já havíamos experimentado, a divulgação boca-a-boca nos ajudou. Nós também esgotamos o show por quatro meses. O que nos fez feliz foi a necessidade do público de assistir àquela peça, as discussões que aconteciam após as apresentações, os veteranos que estavam assistindo ao show, as famílias, os trabalhadores de guerra... E é por isso que eu filmei esta peça, que está disponível em DVD mas, ninguém toca este DVD para distribuição e você só pode adquirí-lo através da internet. Eu paguei um preço para disponibilizar este material, nem que fosse apenas na internet porque o público precisa ter a opção de receber informação. Eu tirei um tempo para documentar aquele momento, caso contrário a história seria outra, seria contada sob o ponto de vista da mídia. Eu tenho registrado a reação da audiência à peça, o público estava vivendo aquela experiência conosco. Não podemos deixar o governo ou a mídia determinar a nossa história. Eventualmente, as pessoas podem assistir ao vídeo ou não. O importante é que ele está lá e é um registro do que aconteceu.

Você está trabalhando em alguma peça de teatro agora?

Eu dirigi meu grupo de teatro, The Actor’s Gang, em uma adaptação do livro de George Orwell, “1984”. A peça já passou por Los Angeles, está em turnê mundial no momento. Até o final do ano, voltamos para os EUA para uma rodada de 12 estados e depois retornamos com a turnê mundial, passando por Melbourne, na Austrália, Honk Kong e possivelmente Europa. Tem sido muito emocionante.

Qual é a diferença principal entre o atuar e dirigir? Qual a sua preferência?

Após ter dirigido “The Craddle Will Rock”, meu filho conversou comigo e disse, “Pai, eu prefiro quando você está atuando”. Quando eu dirijo, eu desapareço. Como diretor, me torno obssessivo com o trabalho, me tranco em meu escritório buscando a perfeição, editando até meia-noite, mesmo quando não tenho deadline. Por causa desta conversa com meu filho, decidi continuar apenas atuando. Eu sinto falta de dirigir cinema mas escolhi dirigir apenas no teatro. Já dirigi outras três peças desde esta conversa, foram experiências nas quais eu aprendi muito. São momentos em que me sinto como se estivesse em um laboratório. Alguns dos atores que trabalham comigo no The Actor’s Gang eu conheço há mais de 25 anos. No teatro, tenho a oportunidade de fazer qualquer material que quiser e não preciso conseguir investimento de milhões de dólares para desenvolver cada trabalho. Então, eu tenho uma liberdade artística com a qual eu posso trabalhar que é muito importante. Eu não tenho intenção de dirigir cinema tão cedo.

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